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Publicado em 15 de setembro de 2024
Imagem: Freepik
Em 1999, de um café em Londres, o proprietário de duas grandes redes de lojas de departamento brasileiras, cujas falências haviam sido recentemente decretadas, passou a enviar e-mails com a falsa informação de que um dos maiores bancos do Brasil estaria à beira da bancarrota e que seus diretores estariam remetendo recursos para contas secretas na Suíça.
Segundo informações veiculadas na imprensa à época, o envio das mensagens teria sido motivado por questões pessoais, em um contexto de relações conturbadas entre o remetente e o banco.
Como resultado, o episódio rendeu ao empresário uma condenação por crime contra o sistema financeiro, por divulgação de informações falsas sobre instituição financeira, conduta tipificada pela Lei 7.492/86. O banco, pouco abalado pelo ataque, continua até hoje sendo um dos maiores do país.
De 1999 para 2024, o modo como as pessoas se comunicam e circulam riqueza se alterou profundamente, com a expansão do uso de redes sociais e do surgimento de novas tecnologias, como a inteligência artificial. Os ataques por e-mails veiculando mensagens pouco críveis daquela época deram lugar à possibilidade de campanhas virtuais de difamação em larga escala, com uso de ferramentas que podem inviabilizar o discernimento sobre a veracidade do conteúdo disseminado.
Em anos recentes, episódios como as corridas bancárias ao Metro Bank, no Reino Unido, e ao Silicon Valley Bank (SVB), nos Estados Unidos, acenderam o alerta sobre a repercussão das mídias sociais e da IA na estabilidade do sistema financeiro.
A autoridade americana apontou que, apesar de a quebra do SVB ter sido resultado de gestão inadequada de riscos, mensagens publicadas em redes sociais tornaram sem precedente a velocidade de deterioração da liquidez do banco.
A Standard & Poor's publicou relatório recomendando aos bancos que monitorassem o conteúdo postado em redes sociais, enquanto o Banco Central Europeu teria solicitado que certos bancos fizessem o mesmo. A autoridade supervisora do Japão, por sua vez, anunciou que realizaria testes de estresse para avaliar a capacidade dos bancos de resistir a crises fomentadas por postagens em mídias sociais.
Estudos têm relativizado a premissa de que há fricção na movimentação de depósitos bancários. A propagação descentralizada e quase imediata da informação, a expansão do relacionamento bancário digital e a facilitação da portabilidade de depósitos e operações alteram a dinâmica de flutuação da base de clientes das instituições financeiras.
O aumento da velocidade da deterioração da liquidez verificado em crises impulsionadas por redes sociais suscita discussões sobre a necessidade de adaptação das normas prudenciais trazidas pelas reformas realizadas após a crise financeira global.
Esse cenário tem impactos também sobre os trabalhos dos supervisores do sistema financeiro. O banco central da Irlanda, por exemplo, já adota o monitoramento de redes sociais como parte de seus processos de supervisão.
Nesse ponto, vale ressaltar que o Banco Central tem aprimorado o aspecto tecnológico de seus trabalhos, por meio do desenvolvimento de estudos e provas de conceito (PoCs) para uso de inteligência artificial na automatização de processos.
O desenvolvimento da ferramenta “Maria”, atualmente em fase de testes, permitirá o uso de algoritmos com base em técnicas de processamento de linguagem natural (PLN) para o processamento de informações recebidas pelas equipes de supervisão. A incorporação de ferramentas de monitoramento de tendências em redes sociais, apesar de já ter sido objeto de estudo do BC, não é atualmente utilizada pela supervisão. Há ainda espaço para avanços, que são muitas vezes constrangidos por restrições orçamentárias do supervisor.
A atuação do Banco Central e das instituições financeiras, apesar de fundamental, não é suficiente para lidar com a questão. Limitações legais da regulação setorial e a dinâmica própria das novas tecnologias demandam amplo engajamento de entes públicos e privados para impedir que a desinformação afete a confiança da população no sistema financeiro.
Duas medidas são prementes. A primeira delas é o avanço da discussão sobre o PL 2338/2023, que disciplina o uso da IA no país, trazendo regras claras para assegurar o uso adequado dessa tecnologia. O projeto estabelece autoridade reguladora para a IA, preenchendo uma lacuna jurídica e garantindo efetividade na atuação do Poder Público.
A segunda medida é o aumento da cooperação entre entes públicos e privados para o combate à desinformação no sistema financeiro, como Judiciário, BC, Polícia Federal, Ministério Público, bancos e plataformas de redes sociais. Além da troca tempestiva de informações, é importante que a cooperação seja permanente e busque medidas concretas, a exemplo da elaboração de estratégias conjuntas de comunicação com o público em situações de crise, nos moldes do que já existe em alguns países, de modo a contingenciar danos e restabelecer a verdade.
Em resumo, a expansão do uso de redes sociais e de ferramentas de IA trazem impactos relevantes para o sistema financeiro. A extensão e forma de transmissão desses impactos, no entanto, ainda não são totalmente conhecidas. O Financial Stability Board anunciou no início deste ano que está preparando documento sobre o assunto para o G20, a ser publicado ainda durante a presidência do Brasil. É importante que o Poder Público, a sociedade civil e os agentes econômicos estejam atentos à questão e atuem para preservar a estabilidade financeira, sem a qual não há desenvolvimento do país.
Fonte: https://www.jota.info/artigos/fake-news-e-ia-no-sistema-financeiro
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